Mês: maio 2016

Sobre estupro, misoginia e mordaças

 

E aconteceu de novo, e de novo, e de novo e outras 27 vezes. Mais uma vez a violência, o abuso, o grotesco nos surge aos olhos. E lá estão muitos, vendo e aplaudindo, proferindo justificativas de suas bocas cheias de ignorância, de desumanidade, de ódio, comandadas por mentes vazias, mentes doentes, mentes que quiçá deveriam se chamar mentes. E você onde esteve durante isso tudo?

Não, eu não sofri estupro nem por uma nem por 30 pessoas sendo que uma delas já fora tão próxima. Não, eu não sou assediado diariamente e nem subjugado em razão do meu gênero, vivendo meus dias e horas com medo e temor pela minha vida. Não, eu não sofro violência doméstica, psicológica ou moral diariamente de meus cônjuges. Não, eu não sou agredido e nem fui morto por conta de minha orientação sexual independente de meu gênero. Não, eu não fui um deles, mas minhas não estão atadas para que eu posso ajuda-los a se erguer, ajudar a levantar esse problema, esse câncer (ainda que ache quase um eufemismo chamá-lo assim) intricado entre nós.

Ser homem não te impede de lutar contra o machismo, contra a misoginia, contra a violação de todo e qualquer direito, de todo e qualquer respeito, de toda e qualquer humanidade. Antes de ter o que lhe designa, você nada mais é que humano e onde está sua humanidade? Enclausurada em uma sociedade patriarcal e elitista, onde se aponta e ri de uma mulher, uma adolescente de 17 anos que foi estuprada. Não foi uma fatalidade, não foi uma tragédia, não é justificável. Foi premeditado, foi brutal, foi desumano.

Escrever sobre isso não modifica o fato, infelizmente. Queria poder voltar o tempo para você minha cara, poder te dizer que vai ficar tudo bem, que isso nunca mais vai acontecer com nenhuma mulher. Mas não posso. E o não poder é frustrante, machuca, e faz com que todos nós, que temos o mínimo de humanidade, choremos, seja por fora ou por dentro, pela sensação de incapacidade.  Choramos porque sabemos o quanto você sofreu e inevitavelmente ainda vai, o quanto a sua vida foi machucada muito mais que sua integridade física. E também choramos pela impunidade, pela veiculação midiática que abafa o que aconteceu com você, afinal, você é mulher e mora na periferia né? Mãe solteira e usuária de drogas? Um prato cheio para justificativa dos misóginos machistas de plantão.

Empatia não se aprende nas escolas, não se aprende em um livro. Empatia se aprende nas ruas, na vida, nos olhos de quem anseia por ajuda, mas não tem voz, não tem representatividade e se torna apenas mais um. Mais uma estatística, mais um caso das páginas policiais, mais uma. Mais uma alma sufocada pela estrutura social, pela impunidade, pelo preconceito, pela homofobia, pelo racismo, pela xenofobia. Todas elas se juntam na mesma boca que é calada. Uma boca que pode ser a minha, a sua, a de todos nós. E como diz a música de Lady Gaga, até que aconteça com você, você não vai saber como é e nem vai saber que é real. É passada a hora das mordaças caírem.

 

You have a voice, so use it. Speak up. Raise your hands. Shout your answers. Make yourself heard, whatever it takes. Just find your voice and when you do, fill the damn silence.

Grey’s Anatomy